quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Meu perfil (cordel deAlma Welt)

Acabo de encontrar este perfil da Alma, perdido na montanha de seus textos, dentro da arca de sua obra inédita. Este curioso poema narrativo auto-biográfico, que ela classificou de "cordel", me faz crer que ela pensava em abrir seu blog e que não teve tempo. Infelizmente também o poema parece ter ficado inacabado, interrompido... (Lucia Welt)



Em berço de terra pura
Pois à margem de uma estrada,
Conquanto de mãe apeada
De uma bela viatura,

Meu pai colheu-me com a mão
Sem luvas de cirurgião
(que sendo médico e artista
escolheu ser pianista)

E num parto de perigo
Arrancou o seu cadarço
Pra amarrar o meu umbigo
Cortado com um estilhaço

De garrafa de Calvados
Que quebrou com um trompaço
Ficando os cordões molhados,
E também rompendo o laço

Com a bela Açoriana
Que nunca logrou reter-me
Por mais que tivesse gana
De ao seu ventre devolver-me.

Então nesta bela estância
Dos meus avós vinhateiros
Vivi minha bela infância
E meus sonhos verdadeiros

Que eram de viver solta
Junto de companheiros
Que estavam à minha volta:
Os meus deuses derradeiros,

E o mais belo querubim
Que era Rodo, irmão amado
A quem Ananque, a do Fado
Quis fazer-me amar assim.

Meu pai, a quem chamo Vati
Tomou-me então pra criar
Destinada a ser um Vate,
Pagã, sem jamais pecar.

Para isso resgatou-me
Dos braços da Açoriana
Que me levaria à Santana
E da charrete tirou-me

Pra não me deixar batizar
E nem mesmo ouvir falar
De “pecado original”
Ou outro pecado que tal.

E assim vivi neste prado
No jardim, no casarão,
E no meu pomar sagrado
Da árvore do coração,

Sim, a ARA, macieira
Que gravei com o canivete
Do meu querido pivete
E sua flecha certeira...

E no pomar-paraíso
Sob a árvore sagrada
Fui um dia encontrada
Nuazinha e sem juízo

Por minha mãe furibunda
Que puxando-me os cabelos
E fustigando-me a bunda
Me interrompeu os desvelos...

Pois não estava sozinha
Mas com meu irmãozinho
Sua mão na minha xaninha
E a minha no seu pintinho.

Ai! Me lembro do arrastão,
Por uma fúria arrastada
A cobrir-me com a mão
Que assim fui obrigada.

Bah! pobres destes maninhos
Puxados pelos cabelos
A cobrir-nos, tão sem pelos,
As vergonhas que não tínhamos...


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