Acabo de encontrar este perfil da Alma, perdido na montanha de seus textos, dentro da arca de sua obra inédita. Este curioso poema narrativo auto-biográfico, que ela classificou de "cordel", me faz crer que ela pensava em abrir seu blog e que não teve tempo. Infelizmente também o poema parece ter ficado inacabado, interrompido... (Lucia Welt)
Em berço de terra pura
Pois à margem de uma estrada,
Conquanto de mãe apeada
De uma bela viatura,
Meu pai colheu-me com a mão
Sem luvas de cirurgião
(que sendo médico e artista
escolheu ser pianista)
E num parto de perigo
Arrancou o seu cadarço
Pra amarrar o meu umbigo
Cortado com um estilhaço
De garrafa de Calvados
Que quebrou com um trompaço
Ficando os cordões molhados,
E também rompendo o laço
Com a bela Açoriana
Que nunca logrou reter-me
Por mais que tivesse gana
De ao seu ventre devolver-me.
Então nesta bela estância
Dos meus avós vinhateiros
Vivi minha bela infância
E meus sonhos verdadeiros
Que eram de viver solta
Junto de companheiros
Que estavam à minha volta:
Os meus deuses derradeiros,
E o mais belo querubim
Que era Rodo, irmão amado
A quem Ananque, a do Fado
Quis fazer-me amar assim.
Meu pai, a quem chamo Vati
Tomou-me então pra criar
Destinada a ser um Vate,
Pagã, sem jamais pecar.
Para isso resgatou-me
Dos braços da Açoriana
Que me levaria à Santana
E da charrete tirou-me
Pra não me deixar batizar
E nem mesmo ouvir falar
De “pecado original”
Ou outro pecado que tal.
E assim vivi neste prado
No jardim, no casarão,
E no meu pomar sagrado
Da árvore do coração,
Sim, a ARA, macieira
Que gravei com o canivete
Do meu querido pivete
E sua flecha certeira...
E no pomar-paraíso
Sob a árvore sagrada
Fui um dia encontrada
Nuazinha e sem juízo
Por minha mãe furibunda
Que puxando-me os cabelos
E fustigando-me a bunda
Me interrompeu os desvelos...
Pois não estava sozinha
Mas com meu irmãozinho
Sua mão na minha xaninha
E a minha no seu pintinho.
Ai! Me lembro do arrastão,
Por uma fúria arrastada
A cobrir-me com a mão
Que assim fui obrigada.
Bah! pobres destes maninhos
Puxados pelos cabelos
A cobrir-nos, tão sem pelos,
As vergonhas que não tínhamos...
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