terça-feira, 10 de agosto de 2010

Manhã orvalhada (de Lucia para Alma Welt )


Alma Welt, manhã orvalhada -óleo s/tela de Guilherme de Faria,
110x140cm, Coleção GLATT, São Paulo, Brasil



Manhã orvalhada

(Para a amada Alma)


Nesta manhã orvalhada
caminhei pela campina como outrora
quando tudo parecia mais autêntico e vivo
pois a Alma estava entre nós
e eu podia segurar a sua mão ao caminhar.
Ainda ouvi sua respiração arfante
não tanto pelo andadura
como pelas emoções de seu olhar
sobre detalhes da paisagem, da relva e do céu
que me passavam despercebidos.
Senti novamente seu perfume
de mulher jovem inconcebivelmente linda
que só por isso já nos comovia
tanto quanto aos peões
que ao vê-la caminhando paravam seu trabalho
e tiravam o chapéu
ao seu riso cristalino.

Ah! Doce irmã das pradarias, tu eras a alma
que agora nos falta!
Tu, o elo de ligação entre este pampa e nossas vidas
entre a paisagem e nosso alento
que todavia persiste sem teu respiro mais amplo
em teu vôo a um tempo gracioso e sobranceiro,
de branca garça pampiana
guria de cabelos flamejantes, de pele alva
de paraísos suspeitados, ah! cobiçados mesmo...
Esta foi, além de teus poemas
tua prenda maior mas tua desgraça,
pois também os maus te viram
e cobiçaram...
Mas não quero pensar senão em ti, na tua caminhada,
quando rindo de alegria te afastavas de súbito
virando-te para mim
para logo me estenderes as duas mãos para rodopiarmos na campina
por puro prazer de viver.
Ah! Como eras preciosa, meu amor, minha irmã!
Que poema posso eu te escrever
senão evocar-te tal qual eras em tua beleza
cheia de secretos encantos
que no entanto prodigalizavas?
Quanto te desnudavas em tua generosidade,
pois bem sabias que o olhar do povo,
deslumbrado te vigiava, respeitoso contudo,
como não seria com nenhuma outra prenda!
Quem, entre os mortais que te viram nua (e talvez alguns deuses)
não sonhou secretamente ter-te nos braços para sugar-te o hálito divino
e fruir de tua pele de seda de impossível brancura
sob este sol do Pampa, ou mais amiúde sob a lua
e as estrelas peregrinas do teu negrinho padroeiro?
(Ai! Na grande cidade também foste amada,
mas também violada
em tua comovente vulnerabilidade,
criatura exótica perdida no caos.)

Ah! Não poder nunca defender-te,
preservar-te do mal e dos maus,
cobrir teu corpo de ninfa com meu corpo maternal
e nunca mais deixar-te ir-se!...

Caminhei esta manhã na pradaria orvalhada
e por um segundo tu, Alma, tocaste a minha mão,
senti teu beijo em meus lábios,
o hálito fresco da pradaria
e soube que continuas por aqui.

E chorei consolada...


(Lucia Welt)
28/05/2008

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Olhar, olhares (de Alma Welt)

Eleito entre milhares
nosso olhar quer ver o mundo
e já pouco sabe de si.
Ser a súmula de olhares
apreendidos
é a norma
herança do saber
cultura e forma

Pouco de nós mesmos há
no verso camuflado
mal e mal
pelo vago temperamento
e arroubo
do momento

Entretanto
reconhecidos somos
pelas nossas escolhas...
ba! quem fomos?
tristes folhas
de um desconhecido outono
de pouca tolerância
Ao vento fluido
qualquer descuido
é ânsia
ou abandono
dor fatal


E sempre
descuidamos
no final


17/05/2006