Este espaço é dedicado especificamente à obra poética em versos livres da escritora gaúcha Alma Welt (1972-2007) e está sendo administrado por sua irmã Lucia Welt
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
O Pampa de Alma Welt
"O Pampa de Alma Welt"- óleo s/ tela de Guilherme de Faria de 30x40cm, coleção particular, São Paulo
terça-feira, 25 de setembro de 2007
O Rosto (de Alma Welt )
É sempre um rosto que amamos
O brilho no olho
a tristeza
um sorriso
uns lábios que queremos beijar
ou calar
com os dedos
É sempre um rosto
não uma palavra
não a fala desses lábios
nem sequer a marcante
personalidade
ou temperamento
Mas um rosto, um rosto
é sempre um rosto que nos apaixona
e levamos conosco na alma
para o leito solitário
para o prolongado exílio
para o túmulo
Memória das memórias
um rosto
o barbado rosto
de Deus
ou aquele outro de passagem
uma tarde em Veneza,
mesmo
numa simples rua Girassol
ou mais prosaicamente
na Fulano de Tal
no Centro da enorme
e triste metrópole
logo iluminada
É sempre um rosto que nos apaixona
e levamos conosco
para o túmulo
Memória das memórias,
Um rosto outrora
“ lançou ao mar mil navios”,
é sempre um rosto que lembramos
um trágico rosto
que nos compunge
ou nos oprime
ou ainda aquele adorável
de criança
congelado em graça no Tempo
É sempre um rosto
um riso
um ríctus
uma súbita amargura nos cílios
na boca
no cerrado maxilar
Um rosto é o que amamos
um determinado rosto
mais que todos os outros
é o que adoramos
e levamos
indelével
intacto
imune ao tempo
nas retinas da alma
Um rosto
para alguns o corrosivo
rosto de Dorian
para outros, um enigma
um sorriso de Monna
Um rosto é o que elegemos
ou que nos cabe
É sempre um rosto só
o que amamos
23/04/2006
O brilho no olho
a tristeza
um sorriso
uns lábios que queremos beijar
ou calar
com os dedos
É sempre um rosto
não uma palavra
não a fala desses lábios
nem sequer a marcante
personalidade
ou temperamento
Mas um rosto, um rosto
é sempre um rosto que nos apaixona
e levamos conosco na alma
para o leito solitário
para o prolongado exílio
para o túmulo
Memória das memórias
um rosto
o barbado rosto
de Deus
ou aquele outro de passagem
uma tarde em Veneza,
mesmo
numa simples rua Girassol
ou mais prosaicamente
na Fulano de Tal
no Centro da enorme
e triste metrópole
logo iluminada
É sempre um rosto que nos apaixona
e levamos conosco
para o túmulo
Memória das memórias,
Um rosto outrora
“ lançou ao mar mil navios”,
é sempre um rosto que lembramos
um trágico rosto
que nos compunge
ou nos oprime
ou ainda aquele adorável
de criança
congelado em graça no Tempo
É sempre um rosto
um riso
um ríctus
uma súbita amargura nos cílios
na boca
no cerrado maxilar
Um rosto é o que amamos
um determinado rosto
mais que todos os outros
é o que adoramos
e levamos
indelével
intacto
imune ao tempo
nas retinas da alma
Um rosto
para alguns o corrosivo
rosto de Dorian
para outros, um enigma
um sorriso de Monna
Um rosto é o que elegemos
ou que nos cabe
É sempre um rosto só
o que amamos
23/04/2006
domingo, 16 de setembro de 2007
Poemas da Alma (de Alma Welt)
Capa do folheto de autoria de Guilherme de Faria, publicado pelas "Edições do Pavão Misterioso", representando "Eros e Psiqué", em que esta é um retrato da própria Alma Welt, e para o qual ela posou, quando ela e o pintor se conheceram em 2001.
1
Na penumbra do claro ateliê
ao entardecer
me encontro
só e grata
toda uma vida
tantas vidas
percorrem-me o olhar de dentro
ao som
de um piano ausente
intermezzo
vindo de tardes outras
tristes e fecundas
como esta pequena imagem
miniatura
de minha solitária vida
de pintora
plena
2
Espero (meu coração admite)
uma inesperada
e oportuna visita
Sempre espero uma visita
redentora
Meu coração
metáfora impenitente
aguarda o renascer
moto perpétuo
de um amor
de muitas faces
Porquê essa multiplicidade
Se o verdadeiro amor é único?
Boa pergunta
3
Estendo a mão
ao acaso
encontro sempre um pincel
um livro, uma caneta
não posso
me queixar
4
às vêzes
muitas vêzes
rodopio eufórica
neste meu pequeno salão
improvisado
de paredes derrubadas
de apê anódino
agora encantado
pelo meu próprio
toque
eternamente
entusiasmada
Graças.
5
Quem me seguirá
aos píncaros
que a minha alma atinge
em seu próprio universo
construído
à custa desta fé invencível
no dom desta arte
que me coube
secreto merecimento
do qual
só temo o orgulho?
6
Ser mulher em meu corpo
mais do que em minha alma
universal
como todas
este o meu prazer e orgulho
que molda este mesmo corpo
com secreta perfeição
visível em parte
pleno para os meus amores
glorioso em sua intimidade
de quatro paredes
e amplo leito
7
Quisera um jardim
sob um balcão
até onde a vista
encontra
o muro necessário
à mesma vista
repleta como com
a braçada de flores
que então chega
numa manhã qualquer
com um cartão
fugaz
e a escritura
pelo apuro
desfaz
cor e textura
ao próprio muro
8
Olho em torno
e constato
ter construído aqui
sem um adorno
no espaço limitado
que me coube
meu reino de prazer
insuspeitado
de livros
e de telas só
cercado
9
Retorno sempre
ao eixo da criação
ao lugar
sagrado
da última inspiração
há quem não creia
nisso
de inspiração
eu sim
nada é nosso
tudo vem dos deuses
e meu orgulho
é ser a sua boneca
entre outras tantas
nem tantas assim
prediletas
10
Hoje ponho um vaso
com flores
onde retirei os pincéis
eles não se excluem
é claro
flores e pincéis
O visitante
de hoje
sucumbirá
à sutil armadilha
cruzo os dedos
supersticiosa
e boba
que sou
11
Homem
que deitas comigo
teu corpo primoroso
que nem sequer
escolhi
fui sorteada
entre os deuses
e és um deles
maroto
cheio da malícia
ingênua
dos olímpicos
e como eles
um laivo de crueldade
escondida
de ti próprio
12
Pode o coração
pedir mais
que amar amar
e ser amada
mui naturalmente?
o mui se impõe
vindo de longe
coração português
alma alemã
minha sede é antiga
dos dois lados
e aqui deságua
em ânsia
nunca saciada
de amar e amar
e ser amada
13
Resvala
a noite
sobre este dia
glorioso
nada pode
apagá-lo
meu amor
voltou
quero gritar de alegria
o meu amor
nas altas horas
do dia
da noite
do dia
14
Lanço sobre o papel
o desenho
inusitado
possibilidade sem fim
magia pura
nunca esgotável
alguma prestidigitação
coisa de maga
bruxa verdadeira
arte é isso
milagre
atrás do truque
15
Levanto-me
todo dia
cantando
de alegria
estou viva
estou amando
querem mais?
estou sonhando
até escrevo
sem querer
rimando
alegria mais profunda
que a dor
disse o mestre
sempre soube
e com lágrimas
a saúdo
16
Quem negará
o único tema
que vale
a pena?
quem levantará
a voz
contra o amor
“que reparte coroas
de alegria”?
estou viva
e espero
o meu amor
chegar
em breve
fecho os olhos
e canto
para esperar
o meu amor
tudo assim
simples
como a poesia
17
Quero ter o timbre
de um acalanto
para o meu amor
quando se deitar
cansado
a mais doce melodia
brotará dos meus gestos
quando ele cerrar os olhos
nos meus braços
seguro do meu amor
poderá
sem medo
adormecer
18
A tela branca
me convida
me instiga
espaço obscuro
terra de aventuras
montanhas
a escalar
mares navegáveis
talvez hostis
todas as terras
e alguns astros
tudo ao meu alcance
nada garantido
alguma dor
como a vida
19
Basta-me
a voz
e o cheiro
peculiar
do meu amor
para o desencadear
da poderosa máquina
das células
do afeto
feromônios
dizem
os cientistas
poetas que eles são
involuntários
sua visão
então
me nubla
e a embriaguez
se instala
irrevogável
tomo porres
do meu amor
bebedora impenitente
nada social
não buscarei
Amor Anônimo
ALEGORIAS DA ALMA
1
Tantas ânsias
outrora
apaziguadas
agora
somente o meu amor
no entanto
se compara
à busca dessa arte
que me espanto
ao constatar
de mim
a melhor parte.
Volto ao centro
de tudo
que formou
a face desta sina
e comandou
a razão
a vida, forma
e conteúdo
sofrendo de amar tanto
amando tudo
sobretudo
a beleza
e tanta arte
das quais os próprios deuses
fazem parte
2
Carrego
dentro em mim
secreto arquivo
de minha rica vida
espelho vário
de alguns grandes amores
com seus gestos
guardando seus temores
num armário
roídos pela traça
de uma angústia
que o coração perspassa
como sombra
apenas vislumbrada
na vidraça
3
Ouço ao longe
Uma flauta
e um latido
que uma imagem
arcaica
reconstrói
sua forma
permanece
no mármore
que o tempo
apenas rói
laica
no friso
um pastor
e seu cão
onde o latido?
não temos mais
a chave
e o sentido
4
Só temo
a voraz
sanha
das horas
o delicado corpo
devastando
conquanto vai
a mente
acrescentando
tributos da memória
e seu tesouro
perene talvez
embora envolto
em cada vez mais triste
pano roto
5
Não pedirei ao tempo
seu retorno
nem ao amor perdido
seu perdão
não ao remorso
não ao tédio
muito menos
do triste ócio vão
o desperdício
mas sim às incertezas
deste ofício
sim às lágrimas
de dor e de alegria
tão fecundas
tão doces se colhidas
no grato coração
por toda a vida
6
para acolher o meu amor
construo
um cenário de ouro
como igreja
uma taça dourada
sobre a mesa
paramentada então
em meu ofício
sem um sermão
nem mais fiéis
senão eu mesma
7
Desço ao jardim
das horas
tão só minhas
buscando pensamentos
de beleza
sou tão fiel a ela
com certeza
que me vejo qual
sacerdotisa
Vestal
virgem em minh’ alma
obstinada
cultuando minha deusa
destronada
8
Faço a mala
jogando meus cadernos
desenhos e poesias
sobre as roupas
levo também
lembranças
que não poucas
encheriam
malas e mais malas
Esta
a minha bagagem
declarada
Tão leve
e ao mesmo tempo
tão pesada
que temo
até mesmo
ser barrada
9
Amanhã serei
mais sábia
com este dia
transcorrido assim
intensamente
como pode o ser humano
inteligente
envelhecer talvez
triste e doente?
mas bato na madeira
quando penso
naquele inesperado
fim demente
de Nietzsche
Maupassant
Artaud
Van Gogh
e toda aquela gente
tão brilhante
que fica iluminando
eternamente
10
Hoje desperto
ao som
de um violino
e a melodia
sugere o privilégio
e a ironia
que cerca
o meu destino
tudo conspira
na manhã
arte e carinho
até este tão vago
meu vizinho
11
Volto à casa paterna, comovida
onde a alma e o coração nasceram,
aparentemente, nesta vida,
conquanto ecos ainda mais longínquos
julgo escutar ao fundo, estarrecida
olho as paredes, lombadas nas estantes,
retratos e poeira tão constantes
e um piano mudo expectante
de mãos habilidosas já ausentes
quanta tristeza, que noite persistente
atravessa o casarão demente!...
murmúrios e o correr das lágrimas
do pranto e o ranger de dentes...
contudo, na casa impregnada
uma carga de ausência renitente
que o coração martela ao pé da escada...
no hall, no labirinto,corredores,
jogo eterno da alma em seus temores,
buscando o leito de dossel materno,
o berço ao lado, o cortinado branco
ondulando ao vento como por encanto...
quero deitar de novo neste berço
quero dormir ouvindo o acalanto
e retornar ao mundo do sonhar primeiro,
afugentando o sono do espinheiro
pra ter de novo a casa que mereço
e ouvir de novo aquele canto...
no hall, no labirinto,corredores,
jogo eterno da alma em seus temores,
buscando o leito de dossel materno,
o berço ao lado, o cortinado branco
ondulando ao vento como por encanto...
21/11/2005
12
Tenho estado
a sorrir
na intimidade
não
frente ao espelho
na verdade
conquanto isso se passe
distraída
percebo
o movimento
não na face
mas neste coração
que transbordante
espera a hora
e o sabor
da saciedade.
Ele virá
é quase certo
e esta esperança
já põe
nestes meus lábios
esta dança.
Pensando nisso
dançarei
afasto os móveis
rodopio
neste espaço
generoso
e imaginário
eu sei
em que me fio.
Quanta emoção
quanta ventura
antecipada
numa simples
aventura
imaginada!
Tanto mais
que me apercebo
consolada
que se ele não vier
não perco nada.
13
Ponho um CD
e a música
fantástica
toda uma ópera
invade o meu apê
Delibes
Lakmé
“où va la jeune hindoue”
e vou com ela
tinindo a campainha
que a vela
o tigre afastará
e Vishnu embala
que a filha do pária
o encontrará
E vejo ali
a minha vida
frágil
como a pequena hindu
com seu sininho
que abre numa selva
o seu caminho
que é a minha arte
tão modesta
no mundo
vasto
como essa floresta
14
Para encantar
o meu amor
me rendo
sincera
ao seu viril encanto
não tentarei domá-lo
com meu canto
muito menos
ao seu falo
montar guarda
Não cercarei o espaço
do guerreiro
como uma ninfa
produzindo ecos
não rondarei atrás
pelos botecos
não lançarei Narciso
em seu espelho
15
“Se queres
desenhar
fecha os olhos
e canta”
disse o mestre
Picasso
o que me encanta
e me apercebo
que o contrário
também
é verdadeiro
quando quero
cantar
mesmo um bolero
pego o lápis
e o papel
primeiro
16
Minha vida
é um cântico
profano
e cheia de alegria
sem engano
encontro no
amor cotidiano
as pequenas coisas
não mesquinhas
que contam
quando a morte
se avizinha
Mas pintura
boa música
ver e amar
a deusa Plitseskaya
embora em vídeo
um canto de Elomar
coisas assim
poderosas
e sagradas
para mim
estão ao meu alcance
grandiosas
fazendo-me sentir
em minha corte
da alma
recebendo
o jovem Mozart
17
Pintando a tela
esperarei
o meu amor
ainda
que não venha
da jornada
não desfarei
do dia
a pincelada
conquanto
já me encontre
tão cercada
Quando chegar
se ele chegar
dos seus cansaços
terei um quadro
uma canção
e ainda
o trono
dos meus braços
aguardando
o seu retorno
18
Não me importa
que o mundo
tenha pressa
não tendo olhos
para o andar
desta poesia
o ser poeta
não comporta
garantia
e apesar
da aparente provação
ao próprio mundo
devo toda
a inspiração
As aparências
quase sempre
comezinhas
escondem o fulgor
de jóias raras
escondidas
em casas
tão vizinhas
19
Como criança
que fosse
o coração
resguardo
não guardando
nenhum
ressentimento
só quero
erigir-me
em monumento
à minha própria
e expontânea
alegria
que consiste
em amar
tudo o que existe
e cantar
o valor
cotidiano
do tão controvertido
ser humano
mas em mim
em mim
que o represento
deste ponto
de alma
em que me assento
20
Para tornar
a minha vida
bela
não mais acenderei
nenhuma vela
não farei promessas
que não cumpro
não conjurarei
deusas ou numes
através de preces
ou queixumes
Mas cantarei
através da minha arte
a alegria
que encontrei
e a poesia
de estar viva
sempre
em toda parte
com este imaginário
como guia
21
O mundo
é Maya
no entanto
certezas
várias
como fortes
correntezas
me trouxeram
a esta praia
de mim
tão solitária
Certeza
do verso
a necessidade
extrema
e da pincelada
a exatidão
velada
Desenhar
pintar
escrever versos
que valham
o que sofremos
ou amamos
este o sentido
supremo
da jornada
“a Arte é tudo
o resto
é nada”
22
Homem fútil
que te esfalfas
por
uma firma
um papel
ou uma venda
e quereis passar
esse legado
de sofrimento
tédio
e esforço vão
aos teus
rebentos
devias saber:
nada disso
é importante
e nada
fica
senão
a lágrima
derramada
que se cantou
ou o sorriso
indefinível
mas pintado
com destreza
como o fez
mestre Leonardo
A vida é breve
a Arte
longa
Da humanidade
presta
o que resta.
23
Renovarei
o meu alento
se puder
como
Van Gogh
O talento
faz
o que quer
o gênio
faz o que pode
24
Através
dos livros
tão queridos
tenho todos
os mundos
ao alcance
De todas
as viagens
tenho
a chance
e as lágrimas
do herói
banham-me
inteira
Mas volto
ao casarão
da minha infância
e ouço
os gemidos
da porteira
Desço
ao porão
da casa
adormecida
e escondo
meus tesouros
comovida
25
Renovo
Todo dia
meus votos
de alegria
e fiel
á Arte
que me guia
incito a alma
e o frágil coração
ao bom conflito
co’ a tristeza
e a vaga nostalgia
que ronda
o quarteirão
insidiosa
e fria
26
Se Deus
me deu
a Arte
é clara
minha missão:
lutar
o bom combate
ao feio
e à depressão
O mistério
no entanto
é a contradição:
o belo
engloba tudo
o cômico e o
grotesco
num saco
gigantesco
de aparente
confusão
27
Quando volto
a rondar
a macieira
do velho pomar
do casarão
percebo
o atavismo
desta cena:
remontaria
à Eva
e ao Adão?
porque
se estendo logo
a mão
ao fruto
luzidio
que ali pende
em desafio
uma ligeira culpa
me suspende
ali também
a alma
e o coração
28
O homem
que me abraça
todo dia
surpreso
com este livro
de poesia
conhece
este meu corpo
como a palma
e pouco
na verdade
desta alma
Dou-me a ler
pois
esta funda
exposição
ultrapassa
a oferecida
posição
da mulher
feliz em seu doar
com suas pernas
bem erguidas
para o ar
29
Tenho ânsias
e vôos
em minh’alma
que me espantam
a mim mesma
todavia
pode haver
maior contradição
ó alma aventureira!
ó coração
varado em nostalgia
que canta
e chora
como a Mouraria!
30
Às vezes penso
que vou
literalmente
explodir em alegria
amor
ou entusiasmo
Por que sou
assim
como um orgasmo
ambulante
e absurdo
em minha mente?
Percebo pois
naturalmente
que isso
não se passa
em muita gente
Mas antes
de qualquer diagnóstico
de um possível
médico
pernóstico
devo lembrar
a mim mesma
a natureza
dupla
feliz
e mais completa
de pintora apaixonada
e de poeta
Poema da Claridade (de Alma Welt)
Capa do Poema da Claridade publicado em forma de folheto pelas Edições do Pavão Misterioso.
Poema da Claridade
Clara, clara, clara
como champanhe
borbulhante do teu riso
nas ardentes noites do verão passado
Claro como o corpo nu
teu espaço claro de emoção
lágrima clara de legítima dor
de amor e de saudade plena
Clara, clara, clara,clara
como uma aurora
aquela da tua confissão maior
da tua entrega
e fantasia
Clara manhã
afinal retornada
puro lapso da língua
no jogo das palavras
quando o coração
cansado de oprimir
laceia, cede e sobe
claro, claro,claro,claro como aquele
dia, aquela noite e sua euforia
inesquecível
como o traço perfeito
de um desenho perdido
lembrado sempre e sempre
como a tez
como o sorriso franco
nunca dúbio
dos dias felizes
Claro, claro como amantes
por instantes
que nada pediram
Aquela ninfa
aquela outra negra e viva
como uma rainha
de sua própria e clara noite
claro amor
clara intenção de amor
que deita sementes
aos pés da amada
clara, clara, clara,
dívida de alegria
fonte do
claro reconhecimento
tua poesia
das noites claras como um ré
um mi
um lá
sem hesitação
escolhida nota na canção
de tua boca clara
onde o carmim
o sangue
não tenham fim nem começo
como a alma
plena sobre o dia
sobre a noite
como uma espiga
de puro trigo
clara em teu ventre
alta madrugada clara
de paixão
quando não foste
e tendo ficado
deste-te inteira
e sem reservas
Clara, clara,clara
a vida que me retribuíste
quando te salvei
de um sonho mau
e puseste teu braço ao meu redor
naquela ardência clara
que ainda vejo
e reconheço
primeira e clara comunhão
Longe canta o pássaro
a clara nota
que me faltava
Clara, clara, clara inspiração
fugaz
claro instrumento que produz
um anjo
uma canção
o desenho
o poema claro
de nobre intuição insuspeita
como um sonho
como a vida que escolhi
das minhas veias
manhã de renovação
noite clara de redenção
erótica, clara
como o sangue e o esperma
sobre a sagrada cama
do assumido amor
do assumido veio
de um desejo incontido e claro
Clara, clara, clara,
missão do artista
certeza nunca desmentida
sem perguntas
sem medo, sem
a triste e feroz autocrítica
Lanço os dados
do destino,colho
as espigas trêmulas da alegria
onde outros talvez
hesitem
na angústia e medo
incompreensível
Clara, clara, clara harmonia
de um destino aceito
de uma carta
recebida
contendo a resposta
à clara pergunta
formulada alhures
noutra parte da vida
Amor, gozo, engenho de viver
pura criação
escolha sem fim
meta verdadeira
eixo da criação
legítima missão nunca renegada
clara como o instante
de recolhimento
e dor, junto à lápide
do verdadeiro amor de uma vida
escolhida em claridade
Onde a sombra, a dúvida
a penumbra talvez necessária
o vago receio
o medo mesmo? perguntareis
Eu digo clara
a idéia, luta
a inocência de escrever
pintar e cantar
sem peias
e dar a ler
a ver, a escutar
Clara pulsão
e resultado
sem amarras
longe todo o tédio
maldição do tédio
sua desdita, sua astúcia
sua mal disfarçada malícia
Ouve,amor
Ouve o rumor claro
dos passos decididos
numa noite clara
de amplidão e inocência
claro privilégio
da mente limpa
afinal
escolhida claridade
redenção, pureza inata
do paraíso interior
em sua tênue senda
encontrada
não por acaso
mas
por clara, clara
e pura intenção
de claridade.
FIM
segunda-feira, 10 de setembro de 2007
Pampa (de Alma Welt)
Capa com desenho de Guilherme de Faria do folheto Pampa, publicado pelas "Edições do Pavão Misterioso, dento do Kit Poemas da Alma
PAMPA
(de Alma Welt)
Até onde a vista
alcança
eu percorri este pampa
em minha infância
e solitária
primeira juventude
Quantos vôos
quantas cavalgadas
(mesmo as que nunca fiz)
pertencem a esta memória
plena
de campos, árvores
e canções.
Fandango da alma
mate da memória
eu vos saúdo, lembranças
minhas
eternas, deste sul.
Acompanhem-me o passo
vamos em direção à grande árvore
macieira ancestral
onde gravei nossos nomes...)
Rudolf, Rudy
depois Rodolfo, Rôdo
e Alma
assim enlaçados nossos nomes
no profundamente gravado
coração.
Como corria estes campos...
o pampa
que estava ao meu alcance
embora limitado
pela vigilância invisível
de um olhar
internalizado
de que mal me dava conta...
A saia, um tanto comprida
às vezes arrepanhada
para saltar pequenas valas
um avental, eu me lembro
e sapatos absurdos
de verniz
sujos de terra.
Ai, Rôdo, só tu sabias
minhas trilhas
meus segredos
pequenas descobertas
contigo logo compartilhadas
como as tuas
comigo.
Universo mágico do nosso pampa
sombras dos galpões,
feno, ferramentas
e mantas de charque
cercando minha memória...
Peões, peões
ruído estridente de esporas
e surdo
de bombachas
cuias, bombas
o mate
assim correndo
nos lábios e canções.
Homens, machos
grandes costeletas
e bigodes
que me atraiam mais
do que o devido
não obstante o medo
atávico
do bicho homem
ameaçador.
Ai, quanto perigo
despercebido
devo ter corrido!...
Pequena fêmea,
bela, sim
que eu era
cheia de emoção
e de candura...
“Cachos Louros”
me chamavam
a guria do patrão
a chinoquinha
diziam baixo
entre eles
ouvi um dia.
Memória, memória,
sonho, saudade e sonho
perdida para aquela infância
nesta terra de cimento e vidro
feia e terrível
onde me encontro agora
mas sempre
estranhamente atraída,
meu destino...
Ah! pudesse eu voltar
e correr contigo, Rôdo
de mãos dadas
atrás de algum segredo
como de uma borboleta
um potrinho
uma vitela,
sem medo, sem
ameaça
inocentes como no paraíso
antes do fruto
e da serpente;
Reentrar no casarão
avarandado
cercado de flores
como a barba grisalha
depois branca
de meu pai
atraída pelo piano
que tocava
com os dedos delicados
de artista
o velho cirurgião!
Colocar-me debaixo do piano
olhando o movimento
imponderável
de seus pés
nos incompreensíveis
pedais
depois subir
olhar as suas mãos
e os seus olhos
concentrados
que me olhavam então
maliciosos
com uma piscadela cúmplice.
Ah!, Vati,
criaste-me
junto ao teu piano
ao pé das estantes
abarrotadas
dos maravilhosos volumes
que me abrias
nos joelhos
apontando as figuras
Destes-me o mundo
não somente
o pampa.
Como posso
alçar-me,
deixar estas salas
estes quartos, estas varandas,
cercadas destes pampas?
Como posso chegar
verdadeiramente
ao mundo
que me mostravas
nos teus livros
se a saudade
me ancora nesta Infância?
Como distanciar-me
e percorrer o mundo
como me querias
sem nostalgia
e sem a companhia
da indesejada
melancolia
Sem os ecos
dos galpões?
Teu grande piano negro
Vati
me chama ao passado
quando me debruçava
sob ele
com as mãos apoiando
meu queixo
os cotovelos no tapete macio
que ali punhas
somente para mim...
E tua biblioteca, meu pai
que eu imaginava fazer sombra
à de Alexandria
que me contaste ter sido
queimada por um fanático
e na minha alminha perplexa
isso tinha sido
ontem.
Vati, mostra-me novamente
as gravuras de Doré
para a Divina Comédia
assustadoras
e a Bíblia, e o Don Quixote
Pantagruel, Gargantua
O Paraíso Perdido
Vati, que me mostravas
quando eu ainda não alcançava
as estantes
e sucumbiria
ao peso dos volumes.
Vati, como assobiavas bonito
a Aurora de Beethoven
e a Apassionata
e ainda a Élègie de Massenet!...
Como poderei, Vati
distanciar-me?
Espremo os tubos sobre a paleta
lanço estes versos no papel
e as tintas e as palavras me remetem
à nossa estância
que ainda está ali
como um fantasma
navegando
na amplidão do Pampa.
Como uma nave
o casarão batido pelo minuano
recusa-se a afundar!
11/11/2003
____________________________________________________
E sabendo disso
agora posso amar-te
ou simples
e tardiamente
render-me
ao meu amor
por ti.
( Alma Welt)
11/11/2003
um problema...
Até onde a vista
alcança
eu percorri este pampa
em minha infância
e solitária
primeira juventude
Quantos vôos
quantas cavalgadas
(mesmo as que nunca fiz)
pertencem a esta memória
plena
de campos, árvores
e canções.
Fandango da alma
mate da memória
eu vos saúdo, lembranças
minhas
eternas, deste sul.
Acompanhem-me o passo
vamos em direção à grande árvore
macieira ancestral
onde gravei nossos nomes...)
Rudolf, Rudy
depois Rodolfo, Rôdo
e Alma
assim enlaçados nossos nomes
no profundamente gravado
coração.
Como corria estes campos...
o pampa
que estava ao meu alcance
embora limitado
pela vigilância invisível
de um olhar
internalizado
de que mal me dava conta...
A saia, um tanto comprida
às vezes arrepanhada
para saltar pequenas valas
um avental, eu me lembro
e sapatos absurdos
de verniz
sujos de terra.
Ai, Rôdo, só tu sabias
minhas trilhas
meus segredos
pequenas descobertas
contigo logo compartilhadas
como as tuas
comigo.
Universo mágico do nosso pampa
sombras dos galpões,
feno, ferramentas
e mantas de charque
cercando minha memória...
Peões, peões
ruído estridente de esporas
e surdo
de bombachas
cuias, bombas
o mate
assim correndo
nos lábios e canções.
Homens, machos
grandes costeletas
e bigodes
que me atraiam mais
do que o devido
não obstante o medo
atávico
do bicho homem
ameaçador.
Ai, quanto perigo
despercebido
devo ter corrido!...
Pequena fêmea,
bela, sim
que eu era
cheia de emoção
e de candura...
“Cachos Louros”
me chamavam
a guria do patrão
a chinoquinha
diziam baixo
entre eles
ouvi um dia.
Memória, memória,
sonho, saudade e sonho
perdida para aquela infância
nesta terra de cimento e vidro
feia e terrível
onde me encontro agora
mas sempre
estranhamente atraída,
meu destino...
Ah! pudesse eu voltar
e correr contigo, Rôdo
de mãos dadas
atrás de algum segredo
como de uma borboleta
um potrinho
uma vitela,
sem medo, sem
ameaça
inocentes como no paraíso
antes do fruto
e da serpente;
Reentrar no casarão
avarandado
cercado de flores
como a barba grisalha
depois branca
de meu pai
atraída pelo piano
que tocava
com os dedos delicados
de artista
o velho cirurgião!
Colocar-me debaixo do piano
olhando o movimento
imponderável
de seus pés
nos incompreensíveis
pedais
depois subir
olhar as suas mãos
e os seus olhos
concentrados
que me olhavam então
maliciosos
com uma piscadela cúmplice.
Ah!, Vati,
criaste-me
junto ao teu piano
ao pé das estantes
abarrotadas
dos maravilhosos volumes
que me abrias
nos joelhos
apontando as figuras
Destes-me o mundo
não somente
o pampa.
Como posso
alçar-me,
deixar estas salas
estes quartos, estas varandas,
cercadas destes pampas?
Como posso chegar
verdadeiramente
ao mundo
que me mostravas
nos teus livros
se a saudade
me ancora nesta Infância?
Como distanciar-me
e percorrer o mundo
como me querias
sem nostalgia
e sem a companhia
da indesejada
melancolia
Sem os ecos
dos galpões?
Teu grande piano negro
Vati
me chama ao passado
quando me debruçava
sob ele
com as mãos apoiando
meu queixo
os cotovelos no tapete macio
que ali punhas
somente para mim...
E tua biblioteca, meu pai
que eu imaginava fazer sombra
à de Alexandria
que me contaste ter sido
queimada por um fanático
e na minha alminha perplexa
isso tinha sido
ontem.
Vati, mostra-me novamente
as gravuras de Doré
para a Divina Comédia
assustadoras
e a Bíblia, e o Don Quixote
Pantagruel, Gargantua
O Paraíso Perdido
Vati, que me mostravas
quando eu ainda não alcançava
as estantes
e sucumbiria
ao peso dos volumes.
Vati, como assobiavas bonito
a Aurora de Beethoven
e a Apassionata
e ainda a Élègie de Massenet!...
Como poderei, Vati
distanciar-me?
Espremo os tubos sobre a paleta
lanço estes versos no papel
e as tintas e as palavras me remetem
à nossa estância
que ainda está ali
como um fantasma
navegando
na amplidão do Pampa.
Como uma nave
o casarão batido pelo minuano
recusa-se a afundar!
11/11/2003
____________________________________________________
À minha mãe, Ana Morgado Welt (de Alma Welt )
Mãe, perdoa
se tu foste para mim
um problema...
Lembro de ti
e busco na memória
os melhores momentos
e o que sobrou
de ensinamentos...
Ainda tenho os pés na terra,
mãe
graças a ti.
a pontinha, pelo menos,
que sempre quis alçar-me
e tu me deste somente
sapatilhas de balé.
Teus pés tão fincados na terra,
teus conselhos prosaicos
e as sempre presentes advertências
que me fazias
de morrer à mingua na poesia...
Mãe, perdoa.
Como boa burguesa que tu eras
citavas sempre os malditos
que acabaram mal
na pintura
e na sarjeta:
Van Gogh
Gauguin
Modigliani
e alguns poucos outros
(Anima-possuídos
depois eu soube...)
Mas não citavas
os olímpicos
que tiveram os reis
a seus pés:
Picasso, Rivera,
Matisse, Chagall
(Sem contar Dalí, que
este é que se ajoelhou
aos pés de um rei)...
Ou aquele jovem Rafael
que morreu cedo
em glória, chorado pelo Papa
e ainda
o centenário Ticiano
em seu palácio
em Veneza
com o porno-poeta Aretino
como secretário.
Não, Mãe
não citavas o grande Leonardo
que morreu nos braços do rei
de França
proclamando imensa honra.
Tampouco citavas Goethe
morrendo em seu leito
que imagino imenso
cercado de seus amigos
quase tão célebres
quanto ele próprio
e pedindo
“Mais luz!”
Mãe, perdoa
o meu ressentimento
a que não tenho,
certamente, direito,
pois que me querias
somente
os pés na terra.
Olha, Mãe, às vezes
tens razão
e a vida é mesmo
um vale de lágrimas
Mas só às vezes
pois tendo escolhido a alegria
de meu pai
“mais profunda que a dor’
encontrei, Mãe, a bela senda
no Inferno
e caminho sempre que posso
sobre pétalas frescas...
Tu sabes, Mãe
que não minto
e nada deploro
principalmente...
e agradeço o afã
que demonstravas
em vão
de ancorar-me no real.
No real,
que tu pensavas ser o único...
Perdoa, mãe
se tu foste para mim
um problema.
Os problemas
incitam
e ensejam soluções
E agora, de onde estiveres,
se ainda me vigias,
me vês
eternamente rebelada
contra o mesquinho cotidiano
a paleta e o pincel
em punho
e cercada de tanto papel
rabiscado.
Mãe, perdoa
se tu foste para mim
um problema...
Lembro de ti
e busco na memória
os melhores momentos
e o que sobrou
de ensinamentos...
Ainda tenho os pés na terra,
mãe
graças a ti.
a pontinha, pelo menos,
que sempre quis alçar-me
e tu me deste somente
sapatilhas de balé.
Teus pés tão fincados na terra,
teus conselhos prosaicos
e as sempre presentes advertências
que me fazias
de morrer à mingua na poesia...
Mãe, perdoa.
Como boa burguesa que tu eras
citavas sempre os malditos
que acabaram mal
na pintura
e na sarjeta:
Van Gogh
Gauguin
Modigliani
e alguns poucos outros
(Anima-possuídos
depois eu soube...)
Mas não citavas
os olímpicos
que tiveram os reis
a seus pés:
Picasso, Rivera,
Matisse, Chagall
(Sem contar Dalí, que
este é que se ajoelhou
aos pés de um rei)...
Ou aquele jovem Rafael
que morreu cedo
em glória, chorado pelo Papa
e ainda
o centenário Ticiano
em seu palácio
em Veneza
com o porno-poeta Aretino
como secretário.
Não, Mãe
não citavas o grande Leonardo
que morreu nos braços do rei
de França
proclamando imensa honra.
Tampouco citavas Goethe
morrendo em seu leito
que imagino imenso
cercado de seus amigos
quase tão célebres
quanto ele próprio
e pedindo
“Mais luz!”
Mãe, perdoa
o meu ressentimento
a que não tenho,
certamente, direito,
pois que me querias
somente
os pés na terra.
Olha, Mãe, às vezes
tens razão
e a vida é mesmo
um vale de lágrimas
Mas só às vezes
pois tendo escolhido a alegria
de meu pai
“mais profunda que a dor’
encontrei, Mãe, a bela senda
no Inferno
e caminho sempre que posso
sobre pétalas frescas...
Tu sabes, Mãe
que não minto
e nada deploro
principalmente...
e agradeço o afã
que demonstravas
em vão
de ancorar-me no real.
No real,
que tu pensavas ser o único...
Perdoa, mãe
se tu foste para mim
um problema.
Os problemas
incitam
e ensejam soluções
E agora, de onde estiveres,
se ainda me vigias,
me vês
eternamente rebelada
contra o mesquinho cotidiano
a paleta e o pincel
em punho
e cercada de tanto papel
rabiscado.
Perdoa, pois,
minha Mãe morta,
a minha rebeldia
antes do tempo,
de guria atrevida
a mostrar a língua
disfarçadamente...
Chorei por ti
finalmente,
lágrimas
não de ressentimento
mas de remorso.
Afinal,
sempre tiveste razão:
nosso belo mundo
não deixa de ser
também
o teu belo
mas triste
Vale de Lágrimas...
minha Mãe morta,
a minha rebeldia
antes do tempo,
de guria atrevida
a mostrar a língua
disfarçadamente...
Chorei por ti
finalmente,
lágrimas
não de ressentimento
mas de remorso.
Afinal,
sempre tiveste razão:
nosso belo mundo
não deixa de ser
também
o teu belo
mas triste
Vale de Lágrimas...
E sabendo disso
agora posso amar-te
ou simples
e tardiamente
render-me
ao meu amor
por ti.
( Alma Welt)
11/11/2003
______________________________________________
CARTA AO MEU PAI Werner Friedrich Welt
(de Alma Welt)
Estavas inteiro em mim, pai,
já me tinhas
ensinado quase tudo.
Deixaste-me teus livros
e algumas boas telas...
E a música, então, Vati?
Estava tudo lá...
Os três grandes Bês
como dizias:
Bach, Beethoven e Brahms
e todo o panteão de deuses
maiores e menores...
Mas, pai, não me tinhas
falado da morte,
isso esqueceste.
Não quiseste
ou não tiveste tempo
de me falares desses mortos,
juntos talvez a alguma lápide,
no campo, ouvindo os pássaros
ou confidências do vento
nos ciprestes.
Teria sido tão belo e triste...
Vati, não me preparaste
para a Morte
e agora tenho medo.
O mundo que me deste
é belo demais
e temo perdê-lo
mais que nunca.
Vê, Vati, estou pintando
e escrevendo ainda
os versos, pai, os versos
que me incitavas
para escândalo
ou preocupação
da Mutti.
Persisto, pois,
na nossa loucura, Vati,
naquele pacto que fiz nos teus joelhos
e que só nos dois sabemos.
Lanço agora, mais que nunca
nossa beleza querida
na tela
e no papel
e estou, Vati, portanto,
cumprindo o nosso pacto.
Podes dormir, pois
sossegado
velho médico, estancieiro,
sonhador,
pai desta Alma aqui
apaixonada por homens
e mulheres
mas que ainda é tua criatura
e criadora
orgulhosa de nós, Vati.
Podes dormir naquele prado
onde não fomos juntos,
onde não ouvi os pássaros
e não sussurramos
rente às lápides.
Quiseste mostrar-me só a alegria
da beleza
e suspeitavas que a morte
não fazia parte dela,
agora vejo.
Tanto
que a Mutti tentou
nos prevenir
com a sua catilinária
e aquele indefectível
"Vale de Lágrimas"!...
Mas. Vati, de onde estás,
ouves Freude
a Ode à Alegria?
Há um Reino de Sombras, pai,
atravessado por aquele rio Letes
do esquecimento?
Bebeste de sua água?
Esqueceste-me, Vati?
____________________________________
11/11/2003
Nota
* Vati = "papai" em alemão ( pr. Fáti), diminutivo de Vater (pai, pr. Fáter).
um problema...
sábado, 8 de setembro de 2007
O Circo (de Alma Welt)
Capa do folheto O Circo com desenho de Guilherme de Faria, pubicado dentro do Kit Poemas da Alma pelas "Edições do Pavão Misterioso".
A Lona
1
Imensa tenda armada
em torno de um grande mastro
mais bela
se em frangalhos
mas depressa remendada
como colcha de retalhos
como estrelas, como astro
capturado na teia
de uma seara encantada
que vamos plantar à meia
e fará de todos nós
como num sonho desperto
crianças sob o luar
de um certo
Pierrô lunar
A Banda
2
Pequena fanfarra mística
onde pistão e tambores
merecem nossos louvores
acima dos violinos
das flautas de toques finos
e de certos requintes
daqueles outros ouvintes
de tão outro parecer
que fomos (sem perceber)
antes de a lona adentrar
antes de ao rito ceder
O Mestre de Cerimônias
3
Cartola de chaminé
um pouco mais alta até
bigodes que se reviram
e um pontudo cavanhaque
casaca, botas, colete
e (opcional) uma pança
que é sinal de liderança
(apenas como lembrete
haja visto Napoleão)
mas sobretudo um chicote
e sobretudo um anão
pra lhe servir de mascote
Eis o mestre:
um maestro
não da banda
mas do resto
O Palhaço
4
Se disse
que o palhaço
é triste
Seu nariz
em riste
vermelho
é um espelho
do bêbado
em nós
agora
outrora
ou após
A Trapezista
5
Como dourado cometa
de formação exemplar
flutua sobre o planeta
convocando nosso olhar
todo pro mesmo lugar:
o de sua aparição
quase a mesma sedução
e milagre pouco aquém
da estrela de Belém
daquela antiga Judéia
mas num certo vai-e-vem
que move a nossa pupila
desde o fundo da platéia
até a primeira fila
A amazona- desenho a pincel e nanquim de Guilherme de Faria, ilustração para o poema homônimo de O Circo, de Alma Welt.
A Amazona
6
misto de bailarina
e aventureira
fascina
e certamente comove
o jeito
com que se move
no galope sincopado
do branco cavalo alado
em que dela são as asas
de um vôo insuspeito
não sobre as nossas casas
enquanto na arena corre
ou sobre a nossa cidade
mas que ocorre
na verdade
dentro do nosso peito
A Dançarina de Corda
7
malabares
de si mesma
paira sobre nossos ares
prendendo a respiração
a nossa
que não a dela
pois mesmo sem rede
ou fivela
ela nem mesmo ofega
tal a concentração
proporcional à entrega
sem truques e sem tramóia
que produz essa jóia
de equilíbrio
e sedução
O Mágico
8
Mágico já diz tudo
antes da aparição
da sua capa de veludo
Esperamos da cartola
pouco mais que a perfeição
de um coelho
ou de um pato
espelho
do espalhafato
que reflete
o nosso anseio
dessa doce incoerência
dentro do nosso seio
de nossa necessidade
da diária ocorrência
de um milagre perfeito
que seja no nosso peito
senão na nossa cidade
O Domador
9
O domador
é a mensagem
de um equilíbrio precário
entre o humano
e o selvagem
Basta um pequeno temor
ou o mais leve tremor
para o castelo de cartas
construído
no tambor
desabar ou ceder
e num instante de horror
o bravo leão
nos comer
O Homem do prato chinês
10
pensar na frágil destreza
do prato sobre uma vara
e não pousado na mesa
que é a única variável
por si só pouco provável
(pois nada nos leva a crer
que hoje vamos comer)
é mais uma prova de vida
(que tudo pode ocorrer)
e se a nossa comida
acaso ficarmos sem
ainda resta a solução
na verdade um pouco zen
de colocarmos o prato
girando como um pião
de um modo caricato
acima do nosso chão
Os anões
11
Que circo terá senões
se não faltarem
anões?
Nossa necessidade
de referência e acuidade
da pretensa proporção
que atribuímos a nós
ficaria desfalcada
ou faltaria um pedaço
do retrato de palhaço
dessa nossa humanidade
Mas se eu parar
um pouco
mesmo durante o espetáculo
pra meditar
quanto ao fato
da existência incrível
dos anões entre nós
e não só sob a lona
que o coração desafia
largo a filosofia
e posso ficar chorona
Índio que estala o chicote
12
Um índio pele vermelha
mesmo de olhos azuis
mais que depressa conduz
(enquanto estala o chicote)
meu pensamento pra a sorte
de toda a sua tribo
que não tinha o tal chicote
e que mui provavelmente
vivia debaixo dele
por causa de sua pele
Mas quando acende um charuto
pra fazer os anéis
mesmo com tanta graça
quase inverte os papéis
fazendo-me recordar
a grande vingança da raça
ao branco ensinando a fumar
O Atirador de facas
13
Vestido de prateado
como as facas
do seu fado
parece saber ao certo
tiro, meta e resultado
pois com tanta segurança
mantém sua aliança
com um destino contado
já que a moça, seja ela
bela princesa ou plebéia
trazida de sua cama
ou colhida na platéia
é que está na corda bamba
ou sofrendo leves choques
sob a espada de Damócles
O Homem Forte
14
Ninguém menciona do atleta
todo o prévio treinamento
barra, musculação
e todo aquele desgaste
mas somente a aparição
formidável, e o contraste
com a nossa condição
de simples mortais aos pares
já que tanto precisamos
do poderoso Ares
ou de um belo e forte Aquiles
de perfeitos calcanhares
para nos dar a medida
do sonho antigo do herói
que em nossa memória
ainda dói
quando pensamos na vida
O Engolidor de Fogo
15
Zeloso do seu esôfago
falsa rima de pirófago
o homem que engole fogo
quase sempre nos faz crer
o fogo dele verter
de um doce dragão possesso
que mesmo sendo imponente
faz mais pensar em pimenta
quando a gente condimenta
nossa comida em excesso
Mas pondo de lado a razão
ou mesmo o sonho ancestral
que belo, que magistral
o fogo que deve vir
do fundo do coração!
A Ciranda dos Animais (de Alma Welt)
Capa do folheto publicado dentro do Kit Poemas da Alma, de Alma Welt, pelas "Edições do Pavão Misterioso" (disponível à venda na loja Calligraphia (rua Avanhandava 40, São Paulo)
A Ciranda dos Animais (de Alma Welt)
O Cisne
1
Singrando pequeno lago,
estranhamente à vontade
para fazer-nos sentir
toda a sua majestade,
desliza como uma gôndola
sem gondoleiro nem canto,
que este ele reserva
sob as asas, como um manto,
para soltá-lo por fim*
(mas numa altura que enerva)
quando avistar o seu fim.
Orfeu
(para além do Letes*,
foi quem o escolheu
pois não queria sequer
novo ventre de mulher)*
é que cantará enfim
por esta garganta muda
mas num grito lancinante
que paralisa o instante
e a Natureza transmuda.
A Raposa
2
Focinho muito afilado
para pôr o seu nariz
onde não foi chamado,
a raposa com sua astúcia
mais que proverbial
parece transcender
em si o próprio animal
pois uma tal malícia
escapa mesmo ao conceito
da inocência fictícia
do Paraíso Perfeito
mas que volta, por certo
como inocente cordeiro
quando acuada afinal
naquele cerco fatal
do homem mau, mais esperto.
O cão
3
Já se disse uma vez
que o latido do cão
refaz o cão, e por isso
ele o repete, tão,
e tantas vezes seguidas
pra manter assumidas
suas formas tão precisas
em tantas formas de cão.
Mas para além da impressão
de profunda metafísica,
o cão com o seu latido
capaz de curar a tísica*
(disse um louquinho metido
a cientista em perigo)
é na verdade um amigo
mantendo o homem desperto
e a salvo da demência
no silêncio do deserto
que põe a alma vazia
pela vaga sonolência
durante sua travessia.
A Vaca
4
Parecida com uma mala
em que transporta a si mesma
mas sem alça, amarrada,
e quase sempre malhada
a vaca seria um chiste
ou animal que não existe
causando a mesma estafa
que nos causa uma girafa
(como um mesmo desatino)
não fosse o úbere farto
cheio de leite concreto
que faz-nos ver o destino
como líquido e certo.
O Cavalo
5
Relincho, galope e crina
resumiriam o cavalo
não fosse a sensualidade*
que fez o homem achá-lo
entre outros no prado
e levá-lo pra a cidade.
A anca tão feminina,
do peito a motricidade
em sintonia fina
sobre as patas em finura
tão delicada, malgrado
a pesada ferradura.
A Galinha
6
Sua vidinha em cacarejo
monótono realejo,
mesmo quando está muda
irrita o galo orgulhoso
que se acredita um tenor
querendo soprano peituda
para um dueto maior.
Eis, a meu ver, o dilema
trazido por este tema,
quando penso na galinha,
independente do ovo
que é a sua obra-prima,
um verdadeiro primor
que a afirma de novo
como soprano, na rima
de um solo constrangedor.
O Lobo
7
Contra um luar sinistro
no alto de uma colina
é como vejo este artista
misto de rei e ministro.
Solitário, malgrado
a decantada alcatéia,
eu o vejo congregado
somente naqueles uivos
e também naquele prado
onde cerca os alces ruivos
com todo o bando faminto.
Mas para expressar o que sinto
diante de tal fera brava,
devo dizer que não minto
se sinto frágil a trava
que mantém o lobo oculto
no coração e na alma
mesmo de um homem culto.
O Gato
8
Felino, fino, finório
é um perfeito outro nome
pra esse ocioso notório
que só caça por preguiça
de esperar hora da fome.
Mas andando sorrateiro,
seu passo leve, maneiro,
tão perfeito e delicado
que o solo acariciado
se sente agradecido,
é a prova do capricho
de Deus que ao criá-lo
jogou a forma no ralo
mantendo o “design” fixo.
O Camelo
9
Aquela comparação
do tal "navio do deserto"
nascida no coração
de algum árabe esperto
resumiria o recado
desse arcabouço curvado
com corcovas como mastros
e um pescoço de proa,
pois singrando com os astros
sob um dossel infinito
não é decerto à toa
ser ele assim descrito,
que o camelo e tanta água
que carrega qual bagagem
navega sem muita mágoa
duas realidades:
dentro e fora, que são unas,
só projetando nas dunas
as ondas como miragem.
O Leão
10
Famoso e displicente
com sua reputação
esse grande indolente
deixa para fêmea a ação.
Que ela cace, que ela corra
que se esfalfe e mesmo morra
dando até de mamar
enquanto ele quer transar!
Mas, no entanto, que juba,
que imponência, que garra,
digo... possui na farra!
E tanta beleza viril
parece justificá-lo
para a leoa amá-lo
e também os seus filhotes,
que esperando no covil
só contam com a aparição
e o aspecto nada vil
desse belo maridão.
O Tigre
11
*Tigre, tigre, não pretenda
este poeta metido
dele tirar partido
e fazer uma emenda
ou mesmo tentar um “remake”
do grande tigre de Blake*.
Só queria reiterar
aquele fogo do olhar
e a forja daquela goela
que Deus resolveu forjar.
Quanto à “brilhante ardência”*
valei-me Deus, por clemência,
nessa “floresta da noite”*
em que eu nunca me afoite
pois deste lado do mundo
mantenho um medo profundo
de um dia, sem esperar,
o Tigre me devorar!
A Serpente
12
Sem plumas* e sinuosa
a serpente graciosa
a quem pesa a maldição
e a fama de perdição
Deus teria transmutado
Lúcifer,
o decaído,
num ser à terra achatado
já que o havia traído,
perdendo seu porte alado.
Mas quando observo
este ser ornamentado
de desenhos geométricos
muito raramente tétricos,
penso que Deus, o esteta,
não rejeitou a oferta
da Natura generosa
e com um dedo de prosa
resolveu pintar a cobra
p’ra não destoar da Obra.
FIM
Notas da editora:
*”...para soltá-lo por fim”- Alusão ao mito do “canto do cisne”. Este seria um animal mudo a vida toda, e que só canta na hora de sua morte. Daí o uso da expressão referente à última obra de alguém antes de morrer. Alma atribue esse canto final à presença da alma do cantor Orfeu, dentro do corpo do cisne.
*Letes , o "rio do esquecimento" no reino de Hades dos antigos gregos. As almas, em cortejo eram obrigadas ao atravessar esse rio, a beber de suas águas para esquecerem suas vidas passadas.
No jogo de escolha das novas vidas, Orfeu, segundo o testemunho de Er, o Armênio, no chamado Mito de Er (nas dez últimas páginas da República de Platão) escolheu a vida de um cisne, pois tendo sido morto pelas mulheres da Lídia, não queria renascer de ventre de mulher.
* ...capaz de curar a tísica(tuberculose). Não encontramos referência desse mito em parte alguma. Suspeitamos que seja uma criação jocosa da mente da própria autora.
*...” não fosse a sensualidade”- Alma , sendo do signo do cavalo no horóscopo chinês , tem motivos pessoais para atribuir imensa sensualidade ao cavalo.
*Tigre, tigre...-Alma faz referência ao célebre poema The Tyger , de William Blake, um dos mais amados e populares da língua inglesa. A poetisa faz referência ao versos do original inglês, que usa as palavras forja (furnace), e “burning bright”: brilhante ardência; bem como ‘forests of the night”, florestas da noite.
*sem plumas… Referindo-se à serpente, Alma faz sutil referência ao mito asteca do deus Quetzalcoatl, cujo símbolo era a Serpente Emplumada , com o qual Cortez foi confundido pelos astecas, no início de sua chegada ao México, antes de se revelar um homem maligno e cruel. (Lucia Welt)
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Sobre a obra
Um dos raros ciclos de poemas em que Alma não se coloca como o próprio tema ou protagonista da narrativa. Aqui ela aborda com muito humor as figuras e naturezas "humanizadas" de alguns animais.
Alma se inscreve dentro de uma tradição, a mesma, talvez, que perpetuou as fábulas de animais, de Esopo a La Fontaine. Entretanto a Poetisa, com alguns toques metafísicos, ao contrário dos fabulistas, não pretende nenhum sentido moral, mas se atém a uma fina ironia baseada nas caracteristicas físicas dos animais e seus epitetos e atribuições tradicionais pelos homens.
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