Vati*,
não morri contigo
embora a dor
quase me tenha solapado.
Estavas inteiro em mim, pai,
já me tinhas
ensinado quase tudo.
Deixaste-me teus livros
e algumas boas telas...
E a música, então, Vati?
Estava tudo lá...
Os três grandes Bês
como dizias:
Bach, Beethoven e Brahms
e todo o panteão de deuses
grandes e pequenos.
Mas, pai, não me tinhas
falado da morte,
isso esqueceste.
Não quiseste
ou não tiveste tempo
de me falares desses mortos,
juntos, talvez, à alguma lápide,
no campo, ouvindo os pássaros
ou confidencias do vento
nos ciprestes.
Teria sido tão belo e triste...
Vati, não me preparaste
para a Morte
e agora tenho medo.
O mundo que me deste
é belo demais
e temo perdê-lo,
mais que nunca.
Vê, Vati, estou pintando
e escrevendo ainda
os versos, pai, os versos
que me incitavas
para escândalo
ou preocupação
da Mutter.
Persisto, pois,
na nossa loucura, Vati,
naquele pacto que fiz nos teus joelhos
e que só nos dois sabemos.
Lanço agora, mais que nunca
nossa beleza querida
na tela
e no papel
e estou, Vati, portanto
cumprindo o nosso pacto.
Podes dormir, pois
sossegado,
velho médico, estancieiro,
sonhador,
pai desta Alma aqui,
apaixonada por homens,
e mulheres
mas que ainda é tua
criatura
e criadora orgulhosa
de nós, Vati.
Podes dormir naquele prado
onde não fomos juntos,
onde não ouvi os pássaros
e não sussurramos
rente às lápides.
Quiseste mostrar-me só a alegria
da beleza
e suspeitavas que a morte
não fazia parte dela,
agora vejo.
Tanto
que a Mutter tentou
nos prevenir
com sua catilinária
e aquele indefectível
“vale de lágrimas”!...
Mas, Vati, de onde estás,
ouves An Freude
a Ode à Alegria?
Há um reino de sombras, pai,
atravessado por aquele rio Letes
do esquecimento?
Bebeste de sua água?
Esqueceste-me, Vati?
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Nota de editora
A paixão de Alma por nosso pai nos comovia, a mim e a Rodo
(menos à Solange, que tinha ciúmes). Aliás tudo na Alma era tão intenso que nos paralisava, ou nos tirava o fôlego. Por isso ela viveu a sua curta vida como se fossem cem anos de vivências. (Lucia Welt)
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