quinta-feira, 30 de julho de 2009

O mestre (de Alma Welt)

As coisas não ocorridas
atravancam o caminho
Livre-se do ogro
do malogro
Assim dizia um mestre
que inventei
e que se dedicava a fazer nada
com solene inflexão
nos detalhes
Eu ria e ria
com meu mestre
que era a parte enternecida
do meu sonho
detestava não encontrar
o café pronto
e tinha pouca tolerância
com os tolos

Bah! Como dançávamos e ríamos
nos dias de verão no meu jardim
e nas noites também
antes de saber que ele me amava
e nisso consistia o seu saber,
que no mais era um amável
charlatão

Não precisei mandá-lo embora
o meu mestre
Ele se foi em noite conturbada
em que eu batia forte na janela
e não me atreveria a detê-lo
e menos seguí-lo
na tempestade
pois ele mesmo me ensinara
o comodismo
a não intervir na correnteza:
o sábio fluxo das coisas
que simplesmente são.

No fundo
não perdi meu tempo
acalentando meu bizarro mestre
(que todos os mestres bem o são)
já que não podemos mesmo ensinar
e menos aprender
pois não sabemos ainda
o que é a Morte
e o misterioso porquê
disto tudo
enquanto a chuva cai
e a relva brota...


Nota
Acabo de encontrar este estranho poema na Arca da Alma, e que me pareceu humorístico. O humor da Alma tinha um toque verdadeiramente bizarro, mas não podemos chamá-lo de "nonsense", pois ela parecia saber bem o que queria dizer. Suas certezas eram muito fortes, apesar de tudo, de toda a perplexidade ante o mistério fundamental da existência. ( Lucia Welt)

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Eternidade (de Alma Welt)

Haverá outra vida?
Não há como ter certeza...
Toda fé não é senão ingenuidade,
doce candura das almas.
Suspeito e temo que a morte seja o Nada
e por isso apavorante.
Todavia creio na perenidade da Poesia,
da palavra do poeta,
na imortalidade entre os homens.
Esta só me basta... enquanto idéia.
Que mais se pode querer?
É pouco restar entre os homens
como seu igual
e como intérprete
de suas alegrias e dores,
como seu bardo?
Não, por certo não é pouco...
E vós que almejais a vida eterna
deveríeis começar por plantar robustas árvores
que lancem poderosas raízes
e frutifiquem...
Como os bons poetas
e os artistas em geral
o fazem
cheios de fé...


15/01/2007


Nota
Acabo de encontrar este poema inédito na Arca da Alma. Um importante depoimento, que expressa com clareza, de maneira quase coloquial, o pensamento da Alma sobre o tema, conquanto também sua perplexidade diante do enígma da Eternidade. Como era de se esperar, ela afirma aqui, mais uma vez, a sua poderosa "profissão de fé" na Poesia. (Lucia Welt)

terça-feira, 14 de julho de 2009

O ninho (de Alma Welt)

Com o mesmo e esmerado instinto
com que o pássaro faz seu ninho,
o homem constrói a sua casa.
Homem e ave: o mesmo impulso
de aconchego e proteção...
O mesmo anátema os atingiu?
Parirás em dor? Chorarás teus ovos roubados?
E no entanto... quanta arte!
Lançados na terra e no ar
homem e pássaro
não temos pouso
senão a leste do Éden
cercados por este paraíso
bálsamo ao olhar
e inatingível...



(sem data)